Peixe de Aquário

28 novembro 2006

o melhor verso: "meu ódio é o melhor de mim"

As coisas não vão bem por aqui, tac, tac, e decidi publicar meu poema predileto em língua portuguesa. E a vantagem de se ter um blog de poesia contemporânea & bobagens é que postar isso traz um estranhamento até necessário para que se pare e o leia inteiro.

Para quem se interessar, no Rasgada (livro de poesias) há um que dialoga com este: Ataque. leia aqui


A Flor e A Náusea


Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cizenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

4 Comentários:

  • Pensamento positivo, Ana. Tudo vai dar certo. Torcida não vai faltar. Beijo de boa sorte.

    By Anonymous Anônimo, at 3:57 AM  

  • Caaalma, Anitchas! Você é a mulher que faz a roda andar, a self-made woman, a guria que move montanhas! Tenha força, oras! Mas se precisar de duas outras mãos para ajudá-la, estamos aí. Sempre.

    Beijão,linda!

    By Anonymous Anônimo, at 10:39 AM  

  • Beibe, tudo, tudo, tudo vai dar pé. Tenho certeza absoluta.
    Fé, moça.
    E, se precisar, grite que corro rápido.
    beijos,
    Cristiane Lisbôa

    By Anonymous Anônimo, at 3:16 PM  

  • gracias! é sempre bom ler essas coisas, principalmente a flor e a náusea.

    By Blogger ana rüsche, at 10:47 AM  

Postar um comentário

<< Home