Peixe de Aquário

27 maio 2006

para Paulo F.

Mescalina


"VAZIA. Que autoridade é essa
de uma mulher no outdoor para
comer minhas cicatrizes,
meus silêncios e saudades,"
Paulo Ferraz in De Novo Nada


estou aqui, no lugar
onde todas as coisas são
partidas

mas há ali
um coffee-shop, cosméticos,
bancos e guardas

e uma revistaria.

onde cativa e muda
uma mulher se desnuda
na contracapa,

compro e levo comigo.

essas pernas de embaque
que se abrem em sorrisos cegos
num ponto - onde se afogam nossos próprios desejos.


21 maio 2006

recifes ainda

uma legenda velha para uma foto nova:




Minhas amigas


para a Grá, Paty e Tânia Pans


Não tinham a mínima idéia do futuro.

Mas descobriram
que a vida – por si só –
bastava
e era imensa.

A rara sabedoria
das gatas cochilando ao sol.

19 maio 2006

visita a francisco brennand


ao bêto que não vei na mala; ao delmo, o melhor guia.


inacabado sobre brennand

as meninas de francisco
já nascem de calcinhas velhas
e culotes à mostra

as meninas de francisco
desabrocham
bicos de seio de barro e se deixam bolinar

as meninas de francisco
despetalam
de flor vermelha e choram orando para o céu

as meninas de francisco
nunca foram donzelas

17 maio 2006

recife



estamos aqui
:solidão-belvedere

(porno gratias)

sub-especies aeternalis

assinaturas-ícaro



Delmo Montenegro, in Ciao Cadáver


e aí vamos nós, o encontrar de carne e osso.

15 maio 2006

Mobilmachung














fuga


as secretárias parecem todas iguais
telefone no ouvido, não há linha
atadas no arame dos alarmes
não reagem
congestionamento, as pessoas têm medo
recebi um email

as secretárias parecem iguais
telefone no ouvido
elas nunca ouviram um tiro
mas já assistiram homens baleados
mãos penduradas pelo arame dos alarmes
vocês não reagem
as pessoas têm medo de ficarem nos carros
recebi mais um e-mail
as secretárias parecem iguais
não há linhas
prontas para obedecer ao alarme
não reagem
as pessoas têm medo de ficarem paradas
sete mensagens não lidas

as secretárias iguais
não há linhas
paradas
o alarme
vocês obedecem
o email chegou

14 maio 2006

A Ceramista



A Ceramista

Trago comigo coisas abandonadas.
Coisas que os homens jogaram fora:
placentas, gânglios, guirlandas, guelras.

Marize Castro


agora já são cinco privês
antes era um prédio respeitável

escavo escadas ante a mudez
do elevador, guilhotina pichada

no pó suspenso no ar
catedrais de coisas abandonadas

e lá dentro chafurdo com minhas duas
mãos nas peças de cerâmica

e como parteira tiro do barro
um caco, um vaso, um sonho, um sopro

13 maio 2006

A Canção do Limpa-Vidros


hoje irei ler:
Yá-Lé
com as palavras do Claudinei Vieira
com as palavras da Yara Camillo
com a voz de Karine Cunha


a canção do limpa-vidros

eu, um peixe de aquário, gordo,
consumindo o que surge dessas águas turvas.

os passantes lá embaixo como polvos de patins,
uma menina com um buraco-negro a tira-colo e
chicletes.

ao lado dos jornais de internet,
meus cactos morrem em sua compulsão por água.

os ursos polares serão extintos pelas geladeiras.
na austrália, baleias se suicidam na areia.

continuo consumindo qualquer coisa que brilhe um pouco,
eu, um peixe a apodrecer gordo nessas águas sujas.